quem diz macacos
me mordam
deve atentar que essa frase
de infância chama os espíritos
dos macacos, que, por sua vez,
chamam os macacos vivos
o butantã, lar do famoso serpentário,
corre o risco de ser invadido
por um exército de macacos
doidos pra morder
o atrevido
ii
tem os dentes
fossilizados
e tem aqueles
desfeitos erosão
pela memória
cuidado
iii
tem os dentes
da caveira
e tem aqueles
sorrindo na foto
do meu pai
são os mesmos
dos dentes se aprende
(que é que eu aprendo?)
mastigo um pedaço
de queijo no almoço
tudo o que eu mastigo está morto
iv
dos dentes se aprende
quem caça sem dúvida
sobrevivência garantida
pelo bote da mandíbula
meus avós guardam na pia
numa caneca quebrada
fazem poupança com a aposentadoria
mas já não esperam mais nada
v
nestes tempos de epidemia
não conte com a antropofagia
nestes tempos de contaminação
não confie só na digestão
nestes tempos de sobreaviso
não morda nem seu amigo
vi
nestes tempos autoimunes
os galhos tremem
os micos têm medo
e fome, mas só ficam assistindo
o bairro espera
o novo ataque
treme à espreita
das suas feras
são outros dentes que mordem
o interior das bochechas
Nenhum comentário:
Postar um comentário