a dentadura era uma ideia
que às vezes caía da nossa boca
então compramos um gel fixador
e ela nunca mais despegou
a higiene das ideias é algo difícil de fazer
formam cáries as tuas ideias, e não mastigam muito bem
os dentes crescem para sempre
o que os impede é o atrito dos de baixo com os de cima
tiro a minha dentadura
ponho-a do lado, um conjunto em cada copo
separados pela cama, os dentes crescem e quebram os copos
minha dentadura de madeira como a de washington
cria raízes e quebra as calçadas de são paulo
o asfalto não detém a mordida
fico banguela enquanto os dentes
crescem e tomam em floresta a cidade
depois o país, quase o continente
antes que os eua os bombardeiem
e o atlântico de um lado, do outro, o pacífico
cessem a terra em que cresciam
*
ando só e desdentado entre as ruínas do ano passado
pra nutrição chupo o que aparece, e nisso viro autoridade
as crianças da aldeia me cercam para aprender a chupar
tirando os nutrientes necessários, evitando o veneno
*
de uma árvore nascem dentaduras
quando estico um braço pra alcançar uma
os dentes tilintam do topo da árvore
e dizem, suas vozes de frutas
"morde morde morde"
acordo tão assustado que minhas gengivas sangram
do bruxismo que não cede à ausência dos dentes
dormi sob a árvore do cão
se olho para cima, os dentes latem
*
antes as ideias adubavam o solo
agora amadurecem nas copas e preparam
a queda que estilhaça o doce em sementes
animais silvestres as comem e levam em fezes
plantações dos mesmos dentes a outras paisagens
as ideias crescem até onde a vista alcança
se um viajante incauto deita-se sob elas pra descanso
acorda mastigado e digerido
depois, as ideias cantam
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