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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

olá

ganhei de presente dos meus amigos uma lagartinha verde, sobre um pedaço de folha de alface agora quase murcha, dentro de um copo de vidro transparente.

observo a lagartinha por muito tempo. ela quase não se mexe, parece. ela não se mexe. mas se mexe, sim. é que ela come o tempo inteiro. e só sai do lugar para poder comer mais, em outro canto da folha que pra ela é enorme.

acho que botou um monte de ovos pretos pequenininhos. ou talvez seja o seu cocô.

andrea disse pra eu chamá-la de gertrudes. gosto do nome. mas tenho birra de gertrude stein, um pouco, e não quero ficar me lembrando dela o tempo inteiro.

poderia agora fazer uma comparação entre o método da lagarta e o de gertrude stein, mas tenho birra disso também. fico olhando a lagartinha e ela é tão sem vanguarda, tão sem humanidade, mas tão parecida com a gente. resolvi que ela é minha amiga.

obviamente ela não é. a lagarta vive um mundo sem amizade? acho que sim. mas mesmo esse é um dizer impreciso. pra chegar mais perto do mundo da lagarta, eu tenho que ir cortando as palavras.

a lagarta vive um mundo sem?

a lagarta vive um mundo?

a lagarta vive?

a lagarta?

tenho medo que ela morra. será que ela come folha mesmo murcha? vou viajar por vários dias e terei de pedir a alguém que cuide dela por mim.

mas um dia a lagarta vai morrer. provavelmente antes de mim. porque esses bichinhos vivem menos tempo que a gente. (será por causa do tamanho?)

aí tenho que me perguntar outra vez: a lagarta morre? a lagarta tem tempo?

a lagarta?

vou perguntando, e perguntando as perguntas, e assim chego numa partícula de impossível resposta. como saber as células da lagarta? se a lagarta sabe as suas células? e, se ela não souber, as células existem? me dê uma mesa de bar e a eternidade, que eu fico perguntando sem parar.

no entanto, a lagarta é um fato. ela pode até ter suas interrogações, mas isso é impossível eu saber. entre eu e a lagarta, há uma distância de dois palmos preenchida com perguntas mudas e invisíveis e respostas falsas que não serão respondidas. e, no entanto, a lagarta é um fato.

o que tenho é o meu olhar, que distingue uma lagarta verde-viva no verde moribundo da alface. tenho o sentimento e a consciência de me saber maior e mais duradouro que a lagarta, e responsável por esta que está no vidro, e a ideia melancólica, herdada, de que ela é mais feliz do que eu. e tenho a língua portuguesa, que por uma cadeia ancestral trouxe à minha boca e às minhas mãos a palavra que eu digo e escrevo e com a qual enxergo o verde dentro do verde: lagarta.

não lhe darei nenhum nome.

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