1
o médico desenganou
disse que ela ia morrer logo
estava na uti, então o filho dela
o reginaldo, comprou um monte de cachaça
tomou tudo sozinho e morreu
um mês depois, a tia zezé estava viva
e agora até casou de novo
(comentário da minha vó:
é besteira perder as esperanças)
2
a tia zezé toda entubada
no limite da morte, inconsciente,
a gente ia visitar e ela começava
do nada, a cacarejar
"cocococóóó"
não sabia se ria ou se chorava
terça-feira, 25 de dezembro de 2012
segunda-feira, 24 de dezembro de 2012
tradições
Faço isso: inaugurar a cada tanto uma tradição. Há gente que me compre: queira uma festa de família. “Festa de família não trabalho.” Se insiste, aponto a plaquinha na porta: aqui a tabela de preços, veja nossos serviços, não quer não quer, há quem queira. O telefone toca: encomenda uma canção pra tocar anualmente em memória dos próximos mortos. Diz que é um novo feriado do governo, precisa dela o quanto antes. Sento-me ao piano. Escrevo uma canção fúnebre para mim mesmo. Troco os nomes pra não parecer louvor próprio. Sonho abrir outro negócio: o de pôr fim a tradições.
sexta-feira, 21 de dezembro de 2012
canção
extraído a bisturi seco foi
você guardado em vidro sobre o peito
quanto mais eu olho mais eu vejo
espelho
montanha
de e-mails argumentando
o seu regresso, príncipe sonho
rima enfadonha em cada verso,
a solução para o fim de tanta maravilha
é trancarmo-nos a sete notas numa ilha
de gravação
*
todos os cantores
meus contemporâneos cantam
a mesma coisa
o avesso serve
a vida é uma beleza
se você quiser
pôr delicadeza
vou ficar
mais um pouquinho
meu amor
mais um carinho
cada um é cada um
e cada um tem o que tem
o mundo acaba logo logo
melhor viver, meu bem
*
durante o festival
da nova música paulistana
que cheiro de vômito
é que os bueiros e as bocas
de lobo começaram a escorrer
vômito
examinaram na prefeitura
e constataram que era vômito
é engraçado
se você pensa
no dia seguinte
a gente teve
que continuar vivendo
nesta cidade
porque os empregos
nos esperavam
e pra muita gente
o subemprego
e você andava nas ruas
é até engraçado
e escorregava
e sentia o cheiro
de vômito
*
palavra dita
é palavra solta
palavra dita
é pessoa presa
se vendida
a pessoa é solta
*
li num muro
- se você não é ouvido
escreva
você guardado em vidro sobre o peito
quanto mais eu olho mais eu vejo
espelho
montanha
de e-mails argumentando
o seu regresso, príncipe sonho
rima enfadonha em cada verso,
a solução para o fim de tanta maravilha
é trancarmo-nos a sete notas numa ilha
de gravação
*
todos os cantores
meus contemporâneos cantam
a mesma coisa
o avesso serve
a vida é uma beleza
se você quiser
pôr delicadeza
vou ficar
mais um pouquinho
meu amor
mais um carinho
cada um é cada um
e cada um tem o que tem
o mundo acaba logo logo
melhor viver, meu bem
*
durante o festival
da nova música paulistana
que cheiro de vômito
é que os bueiros e as bocas
de lobo começaram a escorrer
vômito
examinaram na prefeitura
e constataram que era vômito
é engraçado
se você pensa
no dia seguinte
a gente teve
que continuar vivendo
nesta cidade
porque os empregos
nos esperavam
e pra muita gente
o subemprego
e você andava nas ruas
é até engraçado
e escorregava
e sentia o cheiro
de vômito
*
palavra dita
é palavra solta
palavra dita
é pessoa presa
se vendida
a pessoa é solta
*
li num muro
- se você não é ouvido
escreva
"People always clap for the wrong things. If I were a piano player, I'd play it in the goddam closet."
(The Catcher in the Rye)
(The Catcher in the Rye)
segunda-feira, 17 de dezembro de 2012
domingo, 16 de dezembro de 2012
diário
o artista do zimbábue
owen maseko
foi preso por pintar
massacres do ditador robert mugabe
seu nome estampado
nos jornais da europa
serve de argumento
pela democracia burguesa
que segundo os jornais
não impede ninguém de pintar
*
no canadá, as pessoas
veem jogos sangrentos de hockey
comendo hot dog, com crianças
tranquilas; acham o futebol um jogo
de mulherzinhas porque os jogadores
não se espancam; em compensação
as torcidas
*
a poesia não é
uma arte do irracional
a poesia não é nada
além de palavras
e alguém olhando as coisas
do sonho do mundo
e alguém lendo palavras
*
onde foi que eu perdi o encontro?
*
uma hora marcada
à revelia da agenda
ninguém foi avisado
é assim que nos vemos
aí o encontro vai embora
e ficamos olhando um pra cara do outro
esperando um novo encontro
*
hoje não tem fernando pessoa
coitado do fernando pessoa
morrendo de cirrose, sozinho no quarto
coitado do van gogh
que cortou a própria orelha
e deu um tiro no peito
e três dias moribundo
dizendo pra theo ao seu lado
"a tristeza nunca vai acabar?"
coitada da ana cristina
que se atirou da janela
ensaboada pra que não segurassem
era a quinta tentativa?
coitada da sylvia plath
coitado do drummond
que morreu de velho
depois da filha, que morreu de câncer
e nunca matou ninguém
e foi sempre comportado o bastante
pra morrer de velho
coitado
*
se eu tivesse um canudinho
eu chupava você
owen maseko
foi preso por pintar
massacres do ditador robert mugabe
seu nome estampado
nos jornais da europa
serve de argumento
pela democracia burguesa
que segundo os jornais
não impede ninguém de pintar
*
no canadá, as pessoas
veem jogos sangrentos de hockey
comendo hot dog, com crianças
tranquilas; acham o futebol um jogo
de mulherzinhas porque os jogadores
não se espancam; em compensação
as torcidas
*
a poesia não é
uma arte do irracional
a poesia não é nada
além de palavras
e alguém olhando as coisas
do sonho do mundo
e alguém lendo palavras
*
onde foi que eu perdi o encontro?
*
uma hora marcada
à revelia da agenda
ninguém foi avisado
é assim que nos vemos
aí o encontro vai embora
e ficamos olhando um pra cara do outro
esperando um novo encontro
*
hoje não tem fernando pessoa
coitado do fernando pessoa
morrendo de cirrose, sozinho no quarto
coitado do van gogh
que cortou a própria orelha
e deu um tiro no peito
e três dias moribundo
dizendo pra theo ao seu lado
"a tristeza nunca vai acabar?"
coitada da ana cristina
que se atirou da janela
ensaboada pra que não segurassem
era a quinta tentativa?
coitada da sylvia plath
coitado do drummond
que morreu de velho
depois da filha, que morreu de câncer
e nunca matou ninguém
e foi sempre comportado o bastante
pra morrer de velho
coitado
*
se eu tivesse um canudinho
eu chupava você
sábado, 15 de dezembro de 2012
uma qualidade
"(...) mas há sempre uma qualidade nos contos, que os torna superiores aos grandes romances, se uns e outros são medíocres: é serem curtos."
(Machado de Assis, advertência de Várias histórias)
(Machado de Assis, advertência de Várias histórias)
sexta-feira, 14 de dezembro de 2012
você sabe
fazendo tudo
o que te mandam
tem gente que vive
uma vida completa
absoluta
surpreendentemente
normal
no aniversário
de 50 anos do início do vírus
as manchetes os programas televisivos
meu sucesso um sorriso
e amigos parentes
o médico explica
a profilaxia necessária
apesar dessa vida
perfeita
intacta
inevitavelmente
vazia de acidentes
*
o homem que venceu
quatro cânceres
mais de quinze cirurgias
é um highlander
e a vontade de viver
no programa da tv
no que diz respeito a isso
e a demais assuntos práticos
sinto informar que não me sortearam
a garota do fantástico
*
o efeito
alguém avise
colateral do tratamento
além de:
osteoporose
diarreias
dores musculares
tumores etc.
mudar de ano
atrás dos sonhos
persiga os sonhos
o cuidado
o encosto
do corpo
as escolhas
o tédio
afinal
enfim
uma vida ampla
tola
p r e v i s i v e l m e n t e
normal
o que te mandam
tem gente que vive
uma vida completa
absoluta
surpreendentemente
normal
no aniversário
de 50 anos do início do vírus
as manchetes os programas televisivos
meu sucesso um sorriso
e amigos parentes
o médico explica
a profilaxia necessária
apesar dessa vida
perfeita
intacta
inevitavelmente
vazia de acidentes
*
o homem que venceu
quatro cânceres
mais de quinze cirurgias
é um highlander
e a vontade de viver
no programa da tv
no que diz respeito a isso
e a demais assuntos práticos
sinto informar que não me sortearam
a garota do fantástico
*
o efeito
alguém avise
colateral do tratamento
além de:
osteoporose
diarreias
dores musculares
tumores etc.
mudar de ano
atrás dos sonhos
persiga os sonhos
o cuidado
o encosto
do corpo
as escolhas
o tédio
afinal
enfim
uma vida ampla
tola
p r e v i s i v e l m e n t e
normal
a vida inteira pela frente
tem gente
que vive
dez, vinte anos
muito bem
não fique triste
se cuidando
tomando os remédios
tem gente que vive
trinta
o triglicérides
vontade, trabalho
tem gente
que vive
tanto
você sabe
hoje em dia
se cuidando
pratique esportes
uma alimentação saudável
balanceada
saudável
tem gente
que vive
cantando
correndo
tem filhos
sorria
o riso é o melhor remédio
proteja-se
hoje em dia
você sabe
se cuidando
tem gente que vive
tanto
gente
que vive
todos
todos
os anos
que vive
dez, vinte anos
muito bem
não fique triste
se cuidando
tomando os remédios
tem gente que vive
trinta
o triglicérides
vontade, trabalho
tem gente
que vive
tanto
você sabe
hoje em dia
se cuidando
pratique esportes
uma alimentação saudável
balanceada
saudável
tem gente
que vive
cantando
correndo
tem filhos
sorria
o riso é o melhor remédio
proteja-se
hoje em dia
você sabe
se cuidando
tem gente que vive
tanto
gente
que vive
todos
todos
os anos
quinta-feira, 13 de dezembro de 2012
"a vida se origina do desejo"
então
os bandos de papagaios
de cara roxa
voam de uma ilha à outra
alternam sono e fome
entre as ilhas
e o nosso
gosto por roxo
nos move até lá
como antes moveu outros homens
a abatê-los colocá-los em gaiolas
ensiná-los a dizer palavras
colocá-los em panelas, abatê-los
o desejo não tem asas
currupaco
sem
vontade de ver
comer ou ir
as ilhas afundam
no tédio da panela
penas verdes
nos brincos que o hippie vende
o rosto roxo
desse sol
esse além
esse aqui
botam a gente
sem origem como o
currupaco
os bandos de papagaios
de cara roxa
voam de uma ilha à outra
alternam sono e fome
entre as ilhas
e o nosso
gosto por roxo
nos move até lá
como antes moveu outros homens
a abatê-los colocá-los em gaiolas
ensiná-los a dizer palavras
colocá-los em panelas, abatê-los
o desejo não tem asas
currupaco
sem
vontade de ver
comer ou ir
as ilhas afundam
no tédio da panela
penas verdes
nos brincos que o hippie vende
o rosto roxo
desse sol
esse além
esse aqui
botam a gente
sem origem como o
currupaco
terça-feira, 11 de dezembro de 2012
cuecas
mesmo que niguém as veja
compra as cuecas mais bonitas
é bom tê-las delicadas, decorando
o corpo por dentro, te asseguram: é homem
pra ninguém botar defeito
às vezes você despe
as calças do trabalho
alguém te agarra carícia
debaixo do algodão
você endurece (ou não), baixa o elástico
e fica nu, sem nada que segure
o design se esmera em fazer panos
parecerem masculinos, funciona
modelos nas fotos quase não têm corpo
é assim que você deve ser
mas as cuecas amarelam, sujam
os pentelhos soltos tentando fugir
presos por hábito
cuide-se
querido
te entregam
nas mãos as namoradas
e as mães te deixam
pra vestir sozinho
esperando atrás da porta
perguntam: ficou bom?
compra as cuecas mais bonitas
é bom tê-las delicadas, decorando
o corpo por dentro, te asseguram: é homem
pra ninguém botar defeito
às vezes você despe
as calças do trabalho
alguém te agarra carícia
debaixo do algodão
você endurece (ou não), baixa o elástico
e fica nu, sem nada que segure
o design se esmera em fazer panos
parecerem masculinos, funciona
modelos nas fotos quase não têm corpo
é assim que você deve ser
mas as cuecas amarelam, sujam
os pentelhos soltos tentando fugir
presos por hábito
cuide-se
querido
te entregam
nas mãos as namoradas
e as mães te deixam
pra vestir sozinho
esperando atrás da porta
perguntam: ficou bom?
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
o poder da poesia
eu escrevi um poema que rimava bicho e lixo e era sobre a professora. então eu mostrei pro menino mais popular da classe na esperança de ser como ele, já que ninguém da classe gostava da professora. o menino percebeu minha travessura e fez uma maior: entregou o poema à professora, que leu, olhou pra mim desde longe na mesa dela, perguntou com "foi você que escreveu isso?", eu fiz que sim com a cabeça, com vergonha, e deu o sinal do intervalo.
no intervalo eu orei muito, pedindo a deus que não me fizesse ir pra diretoria.
no dia seguinte a professora já não estava mais lá, e parece que não contou do poema pra ninguém. talvez por vergonha, era um poema muito violento. o menino também não contou do poema pra ninguém, talvez tenha até se esquecido dele. eu também não contei. veio uma nova professora, e as crianças que detestavam a anterior começaram a dizer que não gostavam da atual, que preferiam a anterior.
no intervalo eu orei muito, pedindo a deus que não me fizesse ir pra diretoria.
no dia seguinte a professora já não estava mais lá, e parece que não contou do poema pra ninguém. talvez por vergonha, era um poema muito violento. o menino também não contou do poema pra ninguém, talvez tenha até se esquecido dele. eu também não contei. veio uma nova professora, e as crianças que detestavam a anterior começaram a dizer que não gostavam da atual, que preferiam a anterior.
domingo, 9 de dezembro de 2012
como fazer bonito um hospital
não pense
nele
nem cheire
a doença limpa
pela memória
os doentes dizem
socorro e se olha
o que você quer
atrás
dos vidros nossos pais
irmãos, filhos, amigos
vão dizer
adeus
e você não ouve
o hospital rouba a voz
se não há como deixá-lo
bonito pra vista, cante
(enquanto pode)
que passa
nele
nem cheire
a doença limpa
pela memória
os doentes dizem
socorro e se olha
o que você quer
atrás
dos vidros nossos pais
irmãos, filhos, amigos
vão dizer
adeus
e você não ouve
o hospital rouba a voz
se não há como deixá-lo
bonito pra vista, cante
(enquanto pode)
que passa
sobre fotografia
a pele descoberta agora
encontra a sépia névoa
dos que não querem ver
que o corpo respira por fora
e é só contraste o que se mostra
deixem pra mim o pus
o sebo que brilha demais
e quem não tiver lugar
bem-vindxs
eu digo
e escrevo
encontra a sépia névoa
dos que não querem ver
que o corpo respira por fora
e é só contraste o que se mostra
deixem pra mim o pus
o sebo que brilha demais
e quem não tiver lugar
bem-vindxs
eu digo
e escrevo
quarta-feira, 5 de dezembro de 2012
as mordidas descem pelas paredes
e encontram o teu sono atento
à espera da deglutição
"como um sono pode ser atento?"
pois é, não durmo
nem as mordidas podem ser sem dentes
menos ainda descer pelas paredes
e você não pode ser deglutido
"pois é, não posso"
a espera cai de si as palavras
e o céu se mostra inexistente
sou só reflexo e gases presos
nessa barriga boba que é a terra
planeta, acaso as tuas posses
podem ser ditas sem que nos toquem
ou sofrer dá-se por dizer
sem que haja a coisa dita?
no entanto descem, as mordidas, das paredes
e vêm buscar meu sono atento, pra que
dentes o estraçalhem, façam-no
migalhas secas e insones, perdidas
mas ele queria ser deglutido
e encontram o teu sono atento
à espera da deglutição
"como um sono pode ser atento?"
pois é, não durmo
nem as mordidas podem ser sem dentes
menos ainda descer pelas paredes
e você não pode ser deglutido
"pois é, não posso"
a espera cai de si as palavras
e o céu se mostra inexistente
sou só reflexo e gases presos
nessa barriga boba que é a terra
planeta, acaso as tuas posses
podem ser ditas sem que nos toquem
ou sofrer dá-se por dizer
sem que haja a coisa dita?
no entanto descem, as mordidas, das paredes
e vêm buscar meu sono atento, pra que
dentes o estraçalhem, façam-no
migalhas secas e insones, perdidas
mas ele queria ser deglutido
terça-feira, 4 de dezembro de 2012
o porto
com a júlia
falando da vida
que é um monte de coisas
depois da ponte
de metal moderno e as gaivotas
cagando bombas
de piada à beira do douro
falando do amor
que é um monte de coisas
inclusive uma ponte
de metal moderno
e gaivotas
que cagam voando
e a gente acha graça
depois vai embora
porque não quer se sujar
entre as vielas
medievais
a igreja some da vista
as torneiras têm água tóxica
na cabeça uma agenda de encontros
um avião prometido entre as nuvens
metal moderno, gaivota
a júlia comigo
falando do rio
que é um monte de coisas
falando da vida
que é um monte de coisas
depois da ponte
de metal moderno e as gaivotas
cagando bombas
de piada à beira do douro
falando do amor
que é um monte de coisas
inclusive uma ponte
de metal moderno
e gaivotas
que cagam voando
e a gente acha graça
depois vai embora
porque não quer se sujar
entre as vielas
medievais
a igreja some da vista
as torneiras têm água tóxica
na cabeça uma agenda de encontros
um avião prometido entre as nuvens
metal moderno, gaivota
a júlia comigo
falando do rio
que é um monte de coisas
dentadura fixa
a dentadura era uma ideia
que às vezes caía da nossa boca
então compramos um gel fixador
e ela nunca mais despegou
a higiene das ideias é algo difícil de fazer
formam cáries as tuas ideias, e não mastigam muito bem
os dentes crescem para sempre
o que os impede é o atrito dos de baixo com os de cima
tiro a minha dentadura
ponho-a do lado, um conjunto em cada copo
separados pela cama, os dentes crescem e quebram os copos
minha dentadura de madeira como a de washington
cria raízes e quebra as calçadas de são paulo
o asfalto não detém a mordida
fico banguela enquanto os dentes
crescem e tomam em floresta a cidade
depois o país, quase o continente
antes que os eua os bombardeiem
e o atlântico de um lado, do outro, o pacífico
cessem a terra em que cresciam
*
ando só e desdentado entre as ruínas do ano passado
pra nutrição chupo o que aparece, e nisso viro autoridade
as crianças da aldeia me cercam para aprender a chupar
tirando os nutrientes necessários, evitando o veneno
*
de uma árvore nascem dentaduras
quando estico um braço pra alcançar uma
os dentes tilintam do topo da árvore
e dizem, suas vozes de frutas
"morde morde morde"
acordo tão assustado que minhas gengivas sangram
do bruxismo que não cede à ausência dos dentes
dormi sob a árvore do cão
se olho para cima, os dentes latem
*
antes as ideias adubavam o solo
agora amadurecem nas copas e preparam
a queda que estilhaça o doce em sementes
animais silvestres as comem e levam em fezes
plantações dos mesmos dentes a outras paisagens
as ideias crescem até onde a vista alcança
se um viajante incauto deita-se sob elas pra descanso
acorda mastigado e digerido
depois, as ideias cantam
que às vezes caía da nossa boca
então compramos um gel fixador
e ela nunca mais despegou
a higiene das ideias é algo difícil de fazer
formam cáries as tuas ideias, e não mastigam muito bem
os dentes crescem para sempre
o que os impede é o atrito dos de baixo com os de cima
tiro a minha dentadura
ponho-a do lado, um conjunto em cada copo
separados pela cama, os dentes crescem e quebram os copos
minha dentadura de madeira como a de washington
cria raízes e quebra as calçadas de são paulo
o asfalto não detém a mordida
fico banguela enquanto os dentes
crescem e tomam em floresta a cidade
depois o país, quase o continente
antes que os eua os bombardeiem
e o atlântico de um lado, do outro, o pacífico
cessem a terra em que cresciam
*
ando só e desdentado entre as ruínas do ano passado
pra nutrição chupo o que aparece, e nisso viro autoridade
as crianças da aldeia me cercam para aprender a chupar
tirando os nutrientes necessários, evitando o veneno
*
de uma árvore nascem dentaduras
quando estico um braço pra alcançar uma
os dentes tilintam do topo da árvore
e dizem, suas vozes de frutas
"morde morde morde"
acordo tão assustado que minhas gengivas sangram
do bruxismo que não cede à ausência dos dentes
dormi sob a árvore do cão
se olho para cima, os dentes latem
*
antes as ideias adubavam o solo
agora amadurecem nas copas e preparam
a queda que estilhaça o doce em sementes
animais silvestres as comem e levam em fezes
plantações dos mesmos dentes a outras paisagens
as ideias crescem até onde a vista alcança
se um viajante incauto deita-se sob elas pra descanso
acorda mastigado e digerido
depois, as ideias cantam
quinta-feira, 29 de novembro de 2012
a saúde do homem
não temos apenas
maiores salários, projeção social
e o sucesso longevo do sistema patriarcal
para lograr tanto êxito
além de mulheres
temos que nos matar nós mesmos
são os homens que morrem
mais assassinados, e matam, e morrem
mais por suicídio
nas brigas de gangue
e nos filmes de bangue-bangue
em disputas por território
seja um país ou um mictório
dá-lhe bala na cabeça
dá-lhe facada na costela
não temos
apenas maiores salários
http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd26/a03cv10n1.pdf
maiores salários, projeção social
e o sucesso longevo do sistema patriarcal
para lograr tanto êxito
além de mulheres
temos que nos matar nós mesmos
são os homens que morrem
mais assassinados, e matam, e morrem
mais por suicídio
nas brigas de gangue
e nos filmes de bangue-bangue
em disputas por território
seja um país ou um mictório
dá-lhe bala na cabeça
dá-lhe facada na costela
não temos
apenas maiores salários
http://www.bvsde.paho.org/bvsacd/cd26/a03cv10n1.pdf
quarta-feira, 28 de novembro de 2012
dentadura perfeita
Tem um dente que
late sozinho quando ninguém
mais vê
faz isso porque um dia disseram "Dente
que late não morde"
amanhã o dente decide contrariar
agora ele está ocupado mastigando
*
meu pai dizia
minha sogra tem
dois dentes:
um pra abrir garrafa de cerveja
o outro pra doer
os amigos riam
a família achava muito engraçado
mas minha vó tinha quatro dentes
na frente e talvez mais um
atrás, sendo que nenhum deles abria
garrafa de cerveja e
quando um deles doeu
minha vó arrancou na unha
*
minha vó dizia
não posso rir porque é feio
velha sem dentes, mas não aguentava
exceto nas fotos
soltava a gargalhada
*
nas fotos sorria de um jeito
talvez ensaiado no espelho
ninguém jamais conseguiria
dizer que ela tinha janela
uma vez eu lhe disse
faça uma pose bonita
e ela, pra pose solene,
fingiu encher uma bexiga
*
meu pai e minha vó morreram
nessa ordem
o aparelho ortodôntico da minha infância
ainda dá certo
assim como o flúor na minha gengiva
que mamãe diz que passava
quando eu ainda não mordia
agora o desafio da idade
é não mastigar os próprios dentes
nem esquecê-los
como se a boca fosse um beco
dentro dos sacos de lixo rasgados
e os ratos tirando sarro
late sozinho quando ninguém
mais vê
faz isso porque um dia disseram "Dente
que late não morde"
amanhã o dente decide contrariar
agora ele está ocupado mastigando
*
meu pai dizia
minha sogra tem
dois dentes:
um pra abrir garrafa de cerveja
o outro pra doer
os amigos riam
a família achava muito engraçado
mas minha vó tinha quatro dentes
na frente e talvez mais um
atrás, sendo que nenhum deles abria
garrafa de cerveja e
quando um deles doeu
minha vó arrancou na unha
*
minha vó dizia
não posso rir porque é feio
velha sem dentes, mas não aguentava
exceto nas fotos
soltava a gargalhada
*
nas fotos sorria de um jeito
talvez ensaiado no espelho
ninguém jamais conseguiria
dizer que ela tinha janela
uma vez eu lhe disse
faça uma pose bonita
e ela, pra pose solene,
fingiu encher uma bexiga
*
meu pai e minha vó morreram
nessa ordem
o aparelho ortodôntico da minha infância
ainda dá certo
assim como o flúor na minha gengiva
que mamãe diz que passava
quando eu ainda não mordia
agora o desafio da idade
é não mastigar os próprios dentes
nem esquecê-los
como se a boca fosse um beco
dentro dos sacos de lixo rasgados
e os ratos tirando sarro
o céu se está preso
pra deixar o dia entrar
abro janelas pelo corpo
os órgãos debruçam-se nelas
porque esperam que passe
o afiador de facas e os leve
em namoro sequestro
à procura da floresta
copas altas que nos cobrem
ameaçava a professora da igreja
não deixam a luz chegar ao chão
da amazônia, caverna aberta
a superfície digere a gente
sem lâmina de estilete meu corpo
fica fechado igual a casa
daquela tia que esconde o medo
na própria saia,
esses cômodos não ventilam
o futuro é frondoso
guardando o céu no escuro
se junta distante a outros futuros
na base do caule
a gente gesta o adubo
abro janelas pelo corpo
os órgãos debruçam-se nelas
porque esperam que passe
o afiador de facas e os leve
em namoro sequestro
à procura da floresta
copas altas que nos cobrem
ameaçava a professora da igreja
não deixam a luz chegar ao chão
da amazônia, caverna aberta
a superfície digere a gente
sem lâmina de estilete meu corpo
fica fechado igual a casa
daquela tia que esconde o medo
na própria saia,
esses cômodos não ventilam
o futuro é frondoso
guardando o céu no escuro
se junta distante a outros futuros
na base do caule
a gente gesta o adubo
terça-feira, 27 de novembro de 2012
que fique sempre frio
na falta
de um dia no polo
venho
por meio desta pedir que fique
sempre frio, o cinza
combina com os olhos
realça a cor das paredes
os ombros se encapotam pra proteger-se
e só
saem à rua em caso de máxima necessidade
de um dia no polo
venho
por meio desta pedir que fique
sempre frio, o cinza
combina com os olhos
realça a cor das paredes
os ombros se encapotam pra proteger-se
e só
saem à rua em caso de máxima necessidade
sábado, 24 de novembro de 2012
viesse
exposto o osso do mar
aos nós da nossa garganta
sem sono, desânimo, um fim
de semana em são paulo não
salvo pelo brilho guardado atrás das paredes
no dia
a noite
agora come as lâmpadas
fezes luz pra prolongar
estada na vigília
ingrata
a vida
aquática abriria o ar
passagem pra o futuro prometido
quem sabe qual deserto vagaria
se nós fôssemos
. o fêmur duro do mundo
cravado na cabeça do futuro
exposto o osso do mar
aos nós da nossa garganta
sem sono, desânimo, um fim
de semana em são paulo não
salvo pelo brilho guardado atrás das paredes
no dia
a noite
agora come as lâmpadas
fezes luz pra prolongar
estada na vigília
ingrata
a vida
aquática abriria o ar
passagem pra o futuro prometido
quem sabe qual deserto vagaria
se nós fôssemos
. o fêmur duro do mundo
cravado na cabeça do futuro
supostamente o fim de novembro
devia trazer uma espécie de descanso
classificada pelos estudantes do tempo
como o fecho de fim de ano
temo
um réveillon afogado
desconfiando do conhecimento
que distribuiu os calendários
impressos em cartõezinhos
que a gente pegava na padaria
ou sob o coração de cristo
coroado de espinhos na parede da minha avó
precedido das rosas expostas
no coração de maria
se alguém souber
de um calendário mais exato
ou quiser me dar um relógio
desses que funcionam no natal
aceito, desconfiado
esperando que os ponteiros
apontem uma direção
parece tão fácil para os morangos
e outras plantas sazonais
a hora de recolher-se em secura
e a outra, de dar doce aos animais
devia trazer uma espécie de descanso
classificada pelos estudantes do tempo
como o fecho de fim de ano
temo
um réveillon afogado
desconfiando do conhecimento
que distribuiu os calendários
impressos em cartõezinhos
que a gente pegava na padaria
ou sob o coração de cristo
coroado de espinhos na parede da minha avó
precedido das rosas expostas
no coração de maria
se alguém souber
de um calendário mais exato
ou quiser me dar um relógio
desses que funcionam no natal
aceito, desconfiado
esperando que os ponteiros
apontem uma direção
parece tão fácil para os morangos
e outras plantas sazonais
a hora de recolher-se em secura
e a outra, de dar doce aos animais
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
que dia longo
disse a noite
que escondida esperava
olho os próprios ossos
imagino-os sob a pele
a caverna do corpo
onde a noite dorme
o solo
mal suporta, treme
quando passa
toneladas dinossauro
tem um tumor na cauda
este, por acaso, não deixa fóssil
a noite fecha
o notebook
em que via documentários dinossauros
não entra em cena
"que dia longo", ela repete
daqui a umas horas
(esqueça os ossos)
céu escuro
disse a noite
que escondida esperava
olho os próprios ossos
imagino-os sob a pele
a caverna do corpo
onde a noite dorme
o solo
mal suporta, treme
quando passa
toneladas dinossauro
tem um tumor na cauda
este, por acaso, não deixa fóssil
a noite fecha
o notebook
em que via documentários dinossauros
não entra em cena
"que dia longo", ela repete
daqui a umas horas
(esqueça os ossos)
céu escuro
quarta-feira, 21 de novembro de 2012
Teus olhos
esgotam
O ouvido persegue
Querido. *****. Espero. Que. Você. A mensagem segue. Cravei no escuro essa espera, palavras metálicas dizendo, pra todos os meus segredos, é hora do remédio.
À merda.
Ele agacha à cata, das pílulas, sei que eu devia, ser mais paciente. A vida a vida avida ainda está aqui. Nesta sala, nestes olhos. Você não colabora. Pensei que ia ter uma vida inteira pra não colaborar. Desculpe a pressa. Ele chora no banheiro. Pensa que eu não vejo. A cabeça. A minha escuta até o mínimo: passo, suspiro, é a morte, "ela deixa a gente atento, verdade, tudo o que dizem os livros!". Vi-me. Afastada. Do centro. Outra.
"Sempre uma coisa defronte da outra.
Sempre uma coisa tão inútil como a outra."
Eu deveria dar graças por ter o sustento. Ouço e um naco de sangue amortece a garganta. Por tudo dai graças. É minha mãe, não me atrevo a cuspir. Amargo de novo a casa vazia. e a espera.
Tudo não passa de uma grande armação. Nosso herói está saudável neste momento cruzando uma grande avenida, entra na loja e compra cuecas, sai de sacolas, passo leve na rua. Olha o mendigo! Nossa, são tantos. Quando chegar em casa, vestirei as cuecas uma a uma, olho no espelho, a melhor te reservo: você tira nos dentes, gozamos. Um índio amazônico sonhará com esse estranho mundo em que nos cobrimos de panos pra logo tirá-los. Em 1973 será visitado por homens de pano, com gripes e rifles. "Bom dia". Nos levantamos sem doença. Afinal, a vida é mansa: atrito e dureza envolto no sumo, macieza, a penugem cobre a gente. Depois o acaso te toma no colo e.
esgotam
O ouvido persegue
Querido. *****. Espero. Que. Você. A mensagem segue. Cravei no escuro essa espera, palavras metálicas dizendo, pra todos os meus segredos, é hora do remédio.
À merda.
Ele agacha à cata, das pílulas, sei que eu devia, ser mais paciente. A vida a vida avida ainda está aqui. Nesta sala, nestes olhos. Você não colabora. Pensei que ia ter uma vida inteira pra não colaborar. Desculpe a pressa. Ele chora no banheiro. Pensa que eu não vejo. A cabeça. A minha escuta até o mínimo: passo, suspiro, é a morte, "ela deixa a gente atento, verdade, tudo o que dizem os livros!". Vi-me. Afastada. Do centro. Outra.
"Sempre uma coisa defronte da outra.
Sempre uma coisa tão inútil como a outra."
Eu deveria dar graças por ter o sustento. Ouço e um naco de sangue amortece a garganta. Por tudo dai graças. É minha mãe, não me atrevo a cuspir. Amargo de novo a casa vazia. e a espera.
Tudo não passa de uma grande armação. Nosso herói está saudável neste momento cruzando uma grande avenida, entra na loja e compra cuecas, sai de sacolas, passo leve na rua. Olha o mendigo! Nossa, são tantos. Quando chegar em casa, vestirei as cuecas uma a uma, olho no espelho, a melhor te reservo: você tira nos dentes, gozamos. Um índio amazônico sonhará com esse estranho mundo em que nos cobrimos de panos pra logo tirá-los. Em 1973 será visitado por homens de pano, com gripes e rifles. "Bom dia". Nos levantamos sem doença. Afinal, a vida é mansa: atrito e dureza envolto no sumo, macieza, a penugem cobre a gente. Depois o acaso te toma no colo e.
cheguei às cidades à hora
das bodas quando
ali a alegria imperava
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
(Max Czollec)
das bodas quando
ali a alegria imperava
entre os homens
eu dancei com eles
dormi entre os mudos
sem língua a boca cheia
entupida de pontes
a força dos meus braços
foi-se em malas
carreguei o medo
(Max Czollec)
terça-feira, 20 de novembro de 2012
podia
ser mais fácil
é tão simples
o pênis
procura a carícia
nem força
ninguém a querê-lo
e um dia
contra todas as expectativas
encontra
logo
o pênis
não importa
o corpo todo
abraça o tempo
as mãos procuram
e tudo encontra
é simples
até mais do que parece
mas
então temos
que criar
e buscar argumentos
isso de ser gay
i am what i am
são tudo argumentos
perceba
que argumento
rima com jumento
o que é um insulto
ao animal
antes
que eu me desse
conta
fiquei adulto
a retórica
ganha experiência
e cansaço
por exemplo
que a infecção crescente
do hiv entre jovens gays
é, entre outras coisas, resultado
da marginalização desse segmento
em outras palavras
quando penso no meu diagnóstico
lembro das vezes em que argumentos
justificam um fim lógico
pra mim
ou
(hoje aconteceu)
já posso
dizer que conheço
pessoas que apanham na rua
de grupos de extermínio
senhoras cristãs
e
pior
que um colega foi morto
anteontem no recife
e que tudo leva a crer
- sinais de tortura
cadáver despido
cédula de identidade rasgada ao meio -
ter sido assassinato
motivado por homofobia
sendo o trigésimo este ano
só no estado pernambucano
ao todo em 2011
no brasil 266
assassinatos por homofobia
estimando 1 morte
a cada 33
horas, em 2011, em 2012
ainda não tem estatísticas
preferia
ficar quieto
na cama
enquanto as amídalas
dele não curam
cortando o gengibre
tomando antibiótico
são os únicos argumentos
que às amídalas importam
se você fala pra elas
de estatísticas, de bíblias, homicídios
as amídalas nem ligam
que
o meu colega assassinado
tivesse a idade que eu ainda tenho
me faz dormir com pesadelos
sem argumento
acordar talvez
com pressão na bexiga
ereção matinal
(ela como as amídalas
não liga pra bíblia,
tem uma vaga memória afetiva,
não lê jornal
e só desaparece
com um bom argumento
pode ser tiro, vírus, desprezo
ou qualquer dessas besteiras
que trazem o teu corpo à noite
à morte, na areia)
ser mais fácil
é tão simples
o pênis
procura a carícia
nem força
ninguém a querê-lo
e um dia
contra todas as expectativas
encontra
logo
o pênis
não importa
o corpo todo
abraça o tempo
as mãos procuram
e tudo encontra
é simples
até mais do que parece
mas
então temos
que criar
e buscar argumentos
isso de ser gay
i am what i am
são tudo argumentos
perceba
que argumento
rima com jumento
o que é um insulto
ao animal
antes
que eu me desse
conta
fiquei adulto
a retórica
ganha experiência
e cansaço
por exemplo
que a infecção crescente
do hiv entre jovens gays
é, entre outras coisas, resultado
da marginalização desse segmento
em outras palavras
quando penso no meu diagnóstico
lembro das vezes em que argumentos
justificam um fim lógico
pra mim
ou
(hoje aconteceu)
já posso
dizer que conheço
pessoas que apanham na rua
de grupos de extermínio
senhoras cristãs
e
pior
que um colega foi morto
anteontem no recife
e que tudo leva a crer
- sinais de tortura
cadáver despido
cédula de identidade rasgada ao meio -
ter sido assassinato
motivado por homofobia
sendo o trigésimo este ano
só no estado pernambucano
ao todo em 2011
no brasil 266
assassinatos por homofobia
estimando 1 morte
a cada 33
horas, em 2011, em 2012
ainda não tem estatísticas
preferia
ficar quieto
na cama
enquanto as amídalas
dele não curam
cortando o gengibre
tomando antibiótico
são os únicos argumentos
que às amídalas importam
se você fala pra elas
de estatísticas, de bíblias, homicídios
as amídalas nem ligam
que
o meu colega assassinado
tivesse a idade que eu ainda tenho
me faz dormir com pesadelos
sem argumento
acordar talvez
com pressão na bexiga
ereção matinal
(ela como as amídalas
não liga pra bíblia,
tem uma vaga memória afetiva,
não lê jornal
e só desaparece
com um bom argumento
pode ser tiro, vírus, desprezo
ou qualquer dessas besteiras
que trazem o teu corpo à noite
à morte, na areia)
domingo, 11 de novembro de 2012
"Levado por minha ávida ambição e desejoso de ver a grande profusão de estranhas formas criadas pelo engenho da natureza, vaguei por algum tempo entre os penhascos umbrosos até me deparar com a entrada de uma grande caverna. Permaneci diante dela por algum tempo, aturdido, perplexo com a existência de algo assim, as costas encurvadas, a mão esquerda descansando em meu joelho, a direita fazendo sombra para os olhos, a todo momento me inclinando para lá e para cá, para tentar discernir alguma coisa em seu interior; mas isso me foi negado pela imensa escuridão que nela habitava; depois de algum tempo, dois sentimentos subitamente brotaram em mim: medo e desejo - medo daquela caverna escura e ameaçadora, e desejo de ver se haveria lá dentro alguma espécie de milagre."
(Leonardo da Vinci)
(Leonardo da Vinci)
sábado, 10 de novembro de 2012
uma
caverna
que acolha
as noites
fora
o dia
não
cansa
destrói
a caverna
a prefeitura
ergue prédios
nós
nos amontoamos
cada amigo
é um edifício
que sofre com a falta
de asseio ferrugem tubulação
o mundo
sem gente quebra
as paredes, infiltra
luz e raiz
o prédio
da prefeitura e os do
condomínio, o prédio do hospital
tudo desaba
selvagens
os ursos retornam
e dormem
na caverna do escombro
dos amigos
caverna
que acolha
as noites
fora
o dia
não
cansa
destrói
a caverna
a prefeitura
ergue prédios
nós
nos amontoamos
cada amigo
é um edifício
que sofre com a falta
de asseio ferrugem tubulação
o mundo
sem gente quebra
as paredes, infiltra
luz e raiz
o prédio
da prefeitura e os do
condomínio, o prédio do hospital
tudo desaba
selvagens
os ursos retornam
e dormem
na caverna do escombro
dos amigos
os dentes resolveram abandonar a boca
porque a boca não podia abandonar os dentes
e algum abandono era fundamental à história
embora língua campainha gengivas tenham ficado
todas formando, com glândulas e lábios,
aquilo que ainda pode ser chamado de boca
ninguém beijava ou escarrava nela mais
nem a Ingratidão, essa pantera,
fora solta do zoológico
e correu pro interior
antes que seus caninos também a abandonassem
outra vez a boca:
queria ir a Roma, mas não foi possível
a Europa, sabe, está numa puta crise
não tão ruim quanto a África
mas definitivamente pior do que uma boca sem dentes
que ainda pode, na alegria brasileira,
cozinhar os legumes da feira, tomar uma sopinha
e sorrir no quarto escuro
*
Meus queridos dentes,
deixo este bilhete
caso vocês voltem
e eu não esteja
me esperem
por favor não fujam
outra vez
estou no rádio
arranjei trabalho
canto cabaré
quero roer osso
não aguento mais chupar
o dedo do pé
na geladeira tem queijo
fiquem à vontade
fiquem
faremos mordidas e beijos
*
Pai!
(o velho não responde)
Pai, acorda!
(acorda assustado)
Quê?! Oi?! Hein?!
(ufa)
Você tava gritando. Teve um pesadelo?
(ufa)
Tive...
(acordando)
Sonhei que eu não tinha mais dentes.
(não sorri)
Mas você não tem mesmo.
(a pantera volta do interior
toca a campainha)
Espera um pouco.
(vai lá ver)
Ah!
(se eu tivesse dentes)
Ah!
(a pantera entra
e chupa os dois)
*
fixação oral:
também posso dizer
às futuras gerações
do meu medo de perder
olhos, quereres, testículos
cabeça, ombro, joelho, pé
pai, patrão
eu
*
querida boca,
não te queremos mais
infelizmente estamos presos
que nem as árvores
o planeta gira gira roda
e elas lá, nas suas raízes
dá uma vertigem
estar preso
em algo que gira
oi
não gostamos mais
de ficar no escuro
molhados
com essa língua babona
de síndica
mas que se há de fazer?
*
Pai!
Pai!!!
Quê?! Oi?! Hein?!
Você tava gritando. Teve um pesadelo?
Dim-dom
Perae, tocaram a campainha, vou atender.
porque a boca não podia abandonar os dentes
e algum abandono era fundamental à história
embora língua campainha gengivas tenham ficado
todas formando, com glândulas e lábios,
aquilo que ainda pode ser chamado de boca
ninguém beijava ou escarrava nela mais
nem a Ingratidão, essa pantera,
fora solta do zoológico
e correu pro interior
antes que seus caninos também a abandonassem
outra vez a boca:
queria ir a Roma, mas não foi possível
a Europa, sabe, está numa puta crise
não tão ruim quanto a África
mas definitivamente pior do que uma boca sem dentes
que ainda pode, na alegria brasileira,
cozinhar os legumes da feira, tomar uma sopinha
e sorrir no quarto escuro
*
Meus queridos dentes,
deixo este bilhete
caso vocês voltem
e eu não esteja
me esperem
por favor não fujam
outra vez
estou no rádio
arranjei trabalho
canto cabaré
quero roer osso
não aguento mais chupar
o dedo do pé
na geladeira tem queijo
fiquem à vontade
fiquem
faremos mordidas e beijos
*
Pai!
(o velho não responde)
Pai, acorda!
(acorda assustado)
Quê?! Oi?! Hein?!
(ufa)
Você tava gritando. Teve um pesadelo?
(ufa)
Tive...
(acordando)
Sonhei que eu não tinha mais dentes.
(não sorri)
Mas você não tem mesmo.
(a pantera volta do interior
toca a campainha)
Espera um pouco.
(vai lá ver)
Ah!
(se eu tivesse dentes)
Ah!
(a pantera entra
e chupa os dois)
*
fixação oral:
também posso dizer
às futuras gerações
do meu medo de perder
olhos, quereres, testículos
cabeça, ombro, joelho, pé
pai, patrão
eu
*
querida boca,
não te queremos mais
infelizmente estamos presos
que nem as árvores
o planeta gira gira roda
e elas lá, nas suas raízes
dá uma vertigem
estar preso
em algo que gira
oi
não gostamos mais
de ficar no escuro
molhados
com essa língua babona
de síndica
mas que se há de fazer?
*
Pai!
Pai!!!
Quê?! Oi?! Hein?!
Você tava gritando. Teve um pesadelo?
Dim-dom
Perae, tocaram a campainha, vou atender.
segunda-feira, 5 de novembro de 2012
vem em sonho para aqueles
que estão muito acordados
a boca range durante a noite
não por isso os dentistas chamam
de bruxismo, elas saíam de seus corpos
transformadas em gato
iam reunir-se nos sabás
onde beijavam o cu do demônio
"por isso", tocha em punho o inquisidor
argumentava "esse bafo ruim"
durante o dia, estou tão sonâmbulo
quanto possível, mas não por isso
vejo fantasmas. eles se escondem
atrás de espelhos e outros objetos
afiados. quando tenho uma noite ruim
de sono sei que eles andaram me encontrando
sem querer.
meu sorriso dentes tão perfeitos
já foi fotografado por muitos admiradores
aproveitem porque logo os dentes
se desfazem em saliva e assombração
visitas noturnas ao tinhoso, êxtase
de deus tornado homem, mão de algoz
na rua augusta, fim do sonho de adão
que estão muito acordados
a boca range durante a noite
não por isso os dentistas chamam
de bruxismo, elas saíam de seus corpos
transformadas em gato
iam reunir-se nos sabás
onde beijavam o cu do demônio
"por isso", tocha em punho o inquisidor
argumentava "esse bafo ruim"
durante o dia, estou tão sonâmbulo
quanto possível, mas não por isso
vejo fantasmas. eles se escondem
atrás de espelhos e outros objetos
afiados. quando tenho uma noite ruim
de sono sei que eles andaram me encontrando
sem querer.
meu sorriso dentes tão perfeitos
já foi fotografado por muitos admiradores
aproveitem porque logo os dentes
se desfazem em saliva e assombração
visitas noturnas ao tinhoso, êxtase
de deus tornado homem, mão de algoz
na rua augusta, fim do sonho de adão
sábado, 3 de novembro de 2012
o comprimido ainda samba
a cada dia um avanço
da medicina mais um pouco
agora que eu quero viver
penso "tomara que descubram
cura do câncer da sarna do hiv
varíola verruga febre malsã
gripe tosse dor muscular
tudo amanhã"
da medicina mais um pouco
agora que eu quero viver
penso "tomara que descubram
cura do câncer da sarna do hiv
varíola verruga febre malsã
gripe tosse dor muscular
tudo amanhã"
quinta-feira, 1 de novembro de 2012
samba de um comprimido só
eis aqui este sambinha
feito de um comprimido só
varíola gases gonorreia vão entrar
mas por ora o comprimido é um só
câncer tosse é consequência do que acabo de prever
bulimia reumatismo lúpus lepra avc
quanta letra existe
por aí
fala tanto e não morre nada
ou quase nada
minha mãe entrava no quarto
e trocava os lençóis
meu pai preocupado
xingava todos nós
minha mãe dava injeção
e mandava suturar
meu pai ia socorrer
e era o primeiro a desmaiar
o dr. yip quem mandou
tomar quinze comprimidos
receita fitoterapia
nada a ver com suicídio
espeta agulhas em lugares
precisos e que doem
diz que as quinze bolinhas
é com sal que a gente engole
meu pai sempre dizia
"você acha ele legal?
quero ver você aguentar
comer com ele um quilo de sal"
tanta ideia fixa por aí
que teme tanto e não enfrenta
só inventa
e voltei pra minha nota como eu volto a escrever
desisti, realizado, cansado de escrever
quem quiser que conte outra, ou que arranje outro pra ler
uma bula, um perigo, uma viagem, um bebê
feito de um comprimido só
varíola gases gonorreia vão entrar
mas por ora o comprimido é um só
câncer tosse é consequência do que acabo de prever
bulimia reumatismo lúpus lepra avc
quanta letra existe
por aí
fala tanto e não morre nada
ou quase nada
minha mãe entrava no quarto
e trocava os lençóis
meu pai preocupado
xingava todos nós
minha mãe dava injeção
e mandava suturar
meu pai ia socorrer
e era o primeiro a desmaiar
o dr. yip quem mandou
tomar quinze comprimidos
receita fitoterapia
nada a ver com suicídio
espeta agulhas em lugares
precisos e que doem
diz que as quinze bolinhas
é com sal que a gente engole
meu pai sempre dizia
"você acha ele legal?
quero ver você aguentar
comer com ele um quilo de sal"
tanta ideia fixa por aí
que teme tanto e não enfrenta
só inventa
e voltei pra minha nota como eu volto a escrever
desisti, realizado, cansado de escrever
quem quiser que conte outra, ou que arranje outro pra ler
uma bula, um perigo, uma viagem, um bebê
diário da medicina chinesa
o dr.
yip
viu
a minha língua
que vermelhão!
são problemas do coração
e do fígado e da vesícula
que também têm sentimentos
depois
o dr.
yip
pôs
agulhas no meu travesseiro
deu bolinhas coloridas pra tomar
dia 1, começo o tratamento
até agora nenhuma diferença
educado cristão não topo magia negra
coletiva de imprensa
doutor
yip
hiv
tem
cura?
hiv são tlês letlas
cula quatlo
plóxima pergunta
a plateia
tem medo de agulhas
e de piadas étnicas
o dr.
yip
ri
yip
viu
a minha língua
que vermelhão!
são problemas do coração
e do fígado e da vesícula
que também têm sentimentos
depois
o dr.
yip
pôs
agulhas no meu travesseiro
deu bolinhas coloridas pra tomar
dia 1, começo o tratamento
até agora nenhuma diferença
educado cristão não topo magia negra
coletiva de imprensa
doutor
yip
hiv
tem
cura?
hiv são tlês letlas
cula quatlo
plóxima pergunta
a plateia
tem medo de agulhas
e de piadas étnicas
o dr.
yip
ri
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
para um amigo
a gente se perde, um dia
sobre a beliche, um dia cai
o monstro sob a cama
vai acumulando tropeços, descasos,
vai, enfim, virando
o monstro que ninguém é
nem ele
nem eu
nem você
acomodados no colo do monstro
acabamos gostando dele, que nos nina
por isso nós sempre gostamos de ser monstros
e vivemos uma linda amizade desde então
ora, os astros e as cidades
nos separem quanto possam
após levar a lambada da vida
em vírus e lutos e futuros
pretérito, não sou eu
que vou dizer NÃO aos quilômetros
NÃO ao cansaço, um "sim" quase mudo
a você
aceito, resignado, que o meu tamanho no mundo
é 1m84
com margem de erro de um centímetro
para mais ou para menos
mas não margem de erro do rio da Prata
a nós ninguém deu essa margem tão
larga
meu braços não alcançam meu coração
que está contigo. antes eu diria
tudo isto. agora escrevo,
é o bastante. nada convence
que a nossa amizade seja margem
errada. a água brota, evapora, transforma
em fundo buracos onde habitam bichos
bichas insuspeitas. é muito bom, até na água,
estar contigo
sobre a beliche, um dia cai
o monstro sob a cama
vai acumulando tropeços, descasos,
vai, enfim, virando
o monstro que ninguém é
nem ele
nem eu
nem você
acomodados no colo do monstro
acabamos gostando dele, que nos nina
por isso nós sempre gostamos de ser monstros
e vivemos uma linda amizade desde então
ora, os astros e as cidades
nos separem quanto possam
após levar a lambada da vida
em vírus e lutos e futuros
pretérito, não sou eu
que vou dizer NÃO aos quilômetros
NÃO ao cansaço, um "sim" quase mudo
a você
aceito, resignado, que o meu tamanho no mundo
é 1m84
com margem de erro de um centímetro
para mais ou para menos
mas não margem de erro do rio da Prata
a nós ninguém deu essa margem tão
larga
meu braços não alcançam meu coração
que está contigo. antes eu diria
tudo isto. agora escrevo,
é o bastante. nada convence
que a nossa amizade seja margem
errada. a água brota, evapora, transforma
em fundo buracos onde habitam bichos
bichas insuspeitas. é muito bom, até na água,
estar contigo
quinta-feira, 18 de outubro de 2012
a escrita é materialmente determinada
faziam
na china
o da zi bao
significa
"grande palavra"
sendo "palavra"
me lembre
"condenação"
o lugar onde escreviam
os crimes que cometera
o prisioneiro de pescoço e mãos
entre as tábuas, praça pública,
e toda a gente vinha ler
o que de ruim tinha acabado
depois
a revolução socialista
usou essa técnica
sem preso
pra socializar a informação
de modo que o da zi bao virou
um grande jornal
em muro todos liam
escreviam
as notícias, as doutrinas, propagandas
nunca
talvez ninguém vá ler
muito as coisas que eu escrevo
sendo eu não a china socialista
mas imaginados chineses
almanaque curioso
das coisas vastas do mundo
em linguagem cifrada, sozinha
arrevolucionária
depois
quem sabe as ordens que virão
papel houver e impresso as graças
do gosto do povo
se em consumo, guerra, tristeza ou prisão
me angustia o presente metade
cartola fajuta aluguel projeção
políticas públicas de incentivo à leitura
terceiro setor, drummond, brecht, camões
este hoje oposto a si
tanto quanto a china que eu não sei
quero
achar entre as algas dos olhos
se enroscam nos dedos motivo
continuar existindo e fazendo
coração membros medula fígado
mantê-los pelo máximo possível de tempo
como quase toda gente consegue
e as palavras esteio, escuro ou paisagem
a vez de viver sem fracasso no meio
e possível, quem sabe, saber bem
chinês
na china
o da zi bao
significa
"grande palavra"
sendo "palavra"
me lembre
"condenação"
o lugar onde escreviam
os crimes que cometera
o prisioneiro de pescoço e mãos
entre as tábuas, praça pública,
e toda a gente vinha ler
o que de ruim tinha acabado
depois
a revolução socialista
usou essa técnica
sem preso
pra socializar a informação
de modo que o da zi bao virou
um grande jornal
em muro todos liam
escreviam
as notícias, as doutrinas, propagandas
nunca
talvez ninguém vá ler
muito as coisas que eu escrevo
sendo eu não a china socialista
mas imaginados chineses
almanaque curioso
das coisas vastas do mundo
em linguagem cifrada, sozinha
arrevolucionária
depois
quem sabe as ordens que virão
papel houver e impresso as graças
do gosto do povo
se em consumo, guerra, tristeza ou prisão
me angustia o presente metade
cartola fajuta aluguel projeção
políticas públicas de incentivo à leitura
terceiro setor, drummond, brecht, camões
este hoje oposto a si
tanto quanto a china que eu não sei
quero
achar entre as algas dos olhos
se enroscam nos dedos motivo
continuar existindo e fazendo
coração membros medula fígado
mantê-los pelo máximo possível de tempo
como quase toda gente consegue
e as palavras esteio, escuro ou paisagem
a vez de viver sem fracasso no meio
e possível, quem sabe, saber bem
chinês
estímulo ao voo
a menina
num empenho de vontade, das boas, dizia "voa"
Voa!
alegre, olhando o passarinho
súbito solto da gaiola, por mãos que afagam
sem tocar, afeto o olho, a palavra com carinho, "voa,
bebezinho!"
a mãe se visse, você pensa, insatisfeita
de perder seu periquito, tanto salário aquele alpiste
acordar e ver o verde, o amarelo, ouvir o canto e a criança
agora, atuando contra ela: dando ao que é do mundo
o mundo que antes era só de César.
você não sabe a história inteira.
se esconde no seu casco, medo, tempestade:
o jabuti da família empurrado com o pé
"Voa, querido!", jogado para cima
Quantas vezes
(meu deus!)
o amor pelo jabuti
vai ser instância de pássaro
estímulo ao voo
do outro, passamos
remédio nos meios quebrados ferida do casco
mostrar as diferenças entre répteis
e pássaros, sucesso de cura
parece (a menina
celebra) o jabuti
pôs um ovo
num empenho de vontade, das boas, dizia "voa"
Voa!
alegre, olhando o passarinho
súbito solto da gaiola, por mãos que afagam
sem tocar, afeto o olho, a palavra com carinho, "voa,
bebezinho!"
a mãe se visse, você pensa, insatisfeita
de perder seu periquito, tanto salário aquele alpiste
acordar e ver o verde, o amarelo, ouvir o canto e a criança
agora, atuando contra ela: dando ao que é do mundo
o mundo que antes era só de César.
você não sabe a história inteira.
se esconde no seu casco, medo, tempestade:
o jabuti da família empurrado com o pé
"Voa, querido!", jogado para cima
Quantas vezes
(meu deus!)
o amor pelo jabuti
vai ser instância de pássaro
estímulo ao voo
do outro, passamos
remédio nos meios quebrados ferida do casco
mostrar as diferenças entre répteis
e pássaros, sucesso de cura
parece (a menina
celebra) o jabuti
pôs um ovo
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
"O Brasil foi o criador da Operação Condor"
quando os mortos
dos outros contarem
entre os mortos nossos
os cemitérios falarão
"derrubem as paredes"
as valas sob escolas
famílias indústrias
quartéis e shopping center
tragados documentos
pela terra e devolvidos
indigentes os cadáveres
insurretos dirão (agora
é certo) "tudo é vosso
cemitério"
história natural
soube tudo
que podia saber sobre
os dinossauros
me cansei
aquém do engenho humano
interesse
desfazendo-se
feito o íntimo das ostras
quando morrem
abrem-se
seus músculos já não se importam
proteger-se, por mole o dentro
dissolvido em moléculas
do tempo
fóssil
do latim fossilis é
desterrado, extraído
da terra;
em chinês lê-se
化石
tornado
pedra
eu
nada
se fosse
palavra
latim derivar
submerso
no ar
ou em chinês
talvez
o ideograma de vento
com outro de carne
esse mole
umedecido dos dias, um dia
também vai se abrir, acabado
não mais tenso
o cansaço
tenho curiosidade
de saber quais as cascas
encontradas, será meu corpo de fato
um mistério, será
minha mente enfim
um minério
que podia saber sobre
os dinossauros
me cansei
aquém do engenho humano
interesse
desfazendo-se
feito o íntimo das ostras
quando morrem
abrem-se
seus músculos já não se importam
proteger-se, por mole o dentro
dissolvido em moléculas
do tempo
fóssil
do latim fossilis é
desterrado, extraído
da terra;
em chinês lê-se
化石
tornado
pedra
eu
nada
se fosse
palavra
latim derivar
submerso
no ar
ou em chinês
talvez
o ideograma de vento
com outro de carne
esse mole
umedecido dos dias, um dia
também vai se abrir, acabado
não mais tenso
o cansaço
tenho curiosidade
de saber quais as cascas
encontradas, será meu corpo de fato
um mistério, será
minha mente enfim
um minério
quinta-feira, 11 de outubro de 2012
Em meio à
Grande flora
De antes
Anda arrastando-se
Uma Preguiça
Gigante
Respeitável público
Moças da primeira fila
Este é o último exemplar
Do nada temível
Megatério
Outrora abundante
Em nosso hemisfério
a plateia
preguiçosa
não ri
com fominha
se pudesse
comia carne
de javali
As Preguiças também
Eram comidas
Por isso é que foram
Extintas
um grande estômago
corrói o futuro
das espécies
caímos da cama
no ácido gástrico
de bichos menores
que nós
a barata-d'água
no japão
chega a meio metro
de tamanho e ataca
filhotes de cobra e de tartaruga
vivos
Caçados esses
Dóceis animais
De Poderosas Unhas
Sumiram
Há 10.000 anos
Embora
Evidências
De um pequeno
Grupo remanescente
Em Cuba
Até 1500
o planeta está digerindo a gente
Grande flora
De antes
Anda arrastando-se
Uma Preguiça
Gigante
Respeitável público
Moças da primeira fila
Este é o último exemplar
Do nada temível
Megatério
Outrora abundante
Em nosso hemisfério
a plateia
preguiçosa
não ri
com fominha
se pudesse
comia carne
de javali
As Preguiças também
Eram comidas
Por isso é que foram
Extintas
um grande estômago
corrói o futuro
das espécies
caímos da cama
no ácido gástrico
de bichos menores
que nós
a barata-d'água
no japão
chega a meio metro
de tamanho e ataca
filhotes de cobra e de tartaruga
vivos
Caçados esses
Dóceis animais
De Poderosas Unhas
Sumiram
Há 10.000 anos
Embora
Evidências
De um pequeno
Grupo remanescente
Em Cuba
Até 1500
o planeta está digerindo a gente
quarta-feira, 10 de outubro de 2012
segunda-feira, 8 de outubro de 2012
o fim da história da lagarta
foi no dia seguinte, mesmo, que a lagarta já tinha comido quase toda a folha de alface, que estava murcha irremediável, e quis sair do copo de vidro andando pelas bordas.
uma folha de couve, fresca por enquanto, não adiantou o apego. outra folha de alface, arrancada clandestinamente do pé, tampouco.
depois de muito considerar, quais hipóteses, minhas responsabilidades de carinho e de cuidado, o melhor era mesmo largá-la à sorte na natureza, bichos selvagens só foram domesticados depois de séculos.
no carro a gente fala da ração canina industrializada, feita para que o cocô fique pegável. mas os próprios caninos foram industrializados, embora um tempo que não havia indústria. se sumíssemos todos humanos, os cachorros soltos sem pedigree champ se comeriam poodles chihuahuas só os grandes viveriam, e mesclados, tornariam outra vez ao estágio lobo evolutivo, em matilhas caçando o que se atrevesse a humano, seus antigos donos.
também digo, convicto, que temos que matar tudo, todos os bichos. que eles não teriam dó da gente. uma barata gigante na ásia come filhotes de cobra e de tartaruga. caça-os, prende entre as garras, mata-os vivos e come. aranhas e escorpiões, desse tamanhico já nos caçam e querem tão mal. eu os mato com a tristeza e a honra dos sobreviventes, culpa cristã.
a lagarta, então, por afeto, joguei ela no lixo. se jogasse na horta, minha amiga brigava comigo. o luiz disse "a natureza em são paulo". implacável, medonha, miséria, não lembro qual adjetivo ele usou.
uma folha de couve, fresca por enquanto, não adiantou o apego. outra folha de alface, arrancada clandestinamente do pé, tampouco.
depois de muito considerar, quais hipóteses, minhas responsabilidades de carinho e de cuidado, o melhor era mesmo largá-la à sorte na natureza, bichos selvagens só foram domesticados depois de séculos.
no carro a gente fala da ração canina industrializada, feita para que o cocô fique pegável. mas os próprios caninos foram industrializados, embora um tempo que não havia indústria. se sumíssemos todos humanos, os cachorros soltos sem pedigree champ se comeriam poodles chihuahuas só os grandes viveriam, e mesclados, tornariam outra vez ao estágio lobo evolutivo, em matilhas caçando o que se atrevesse a humano, seus antigos donos.
também digo, convicto, que temos que matar tudo, todos os bichos. que eles não teriam dó da gente. uma barata gigante na ásia come filhotes de cobra e de tartaruga. caça-os, prende entre as garras, mata-os vivos e come. aranhas e escorpiões, desse tamanhico já nos caçam e querem tão mal. eu os mato com a tristeza e a honra dos sobreviventes, culpa cristã.
a lagarta, então, por afeto, joguei ela no lixo. se jogasse na horta, minha amiga brigava comigo. o luiz disse "a natureza em são paulo". implacável, medonha, miséria, não lembro qual adjetivo ele usou.
instantâneo
fotos de homens
bonitos cabelo
ao vento peito
aberto anos
setenta
abre
parêntese data
de nascimento
data de morte
ou hífen
sem nada
ou fecha
parêntese foto
do homem
hoje velho
se vivo
anúncio
"matou-se"
suicídio
em agosto de
2012
sem razão
aparente
fotos
de homens
bonitos
jovens hoje
2012
um menino
morto
de câncer
jovem, bonito
em 2003
ou 2004
2005...
bonitos cabelo
ao vento peito
aberto anos
setenta
abre
parêntese data
de nascimento
data de morte
ou hífen
sem nada
ou fecha
parêntese foto
do homem
hoje velho
se vivo
anúncio
"matou-se"
suicídio
em agosto de
2012
sem razão
aparente
fotos
de homens
bonitos
jovens hoje
2012
um menino
morto
de câncer
jovem, bonito
em 2003
ou 2004
2005...
segunda-feira, 1 de outubro de 2012
outubro
o dia
abria-se em araras
calangos
capivaras
uso o imperfeito só pra entrar no assunto.
aqui no mato grosso do sul
no meio de tiroteio entre traficantes e polícia
aprendo com os gansos a ficar no lago molhando as penas
afunda o pescoço na água e depois volta, chacoalhando
pra cima
amanhã o dia
se abrirá em será que bichos?
encontro no fundo da mochila
(buscava uma cueca)
o diário de viagem
perdido
rabisco umas palavras
mal me animo
o banho de rio faz a gente entender
tudo sem saber de nada
mas é preciso sair do rio
voltar pra são paulo
/ voltar / de ônibus / avião /
fim das estradas
então escrevo pra uma amiga
há muito não vista
e dizem que anda fazendo cadernos
digo assim pra ela "oi"
e as saudades não deixam a gente se encontrar
mas uma boa desculpa é a encomenda
preciso de um novo diário
abria-se em araras
calangos
capivaras
uso o imperfeito só pra entrar no assunto.
aqui no mato grosso do sul
no meio de tiroteio entre traficantes e polícia
aprendo com os gansos a ficar no lago molhando as penas
afunda o pescoço na água e depois volta, chacoalhando
pra cima
amanhã o dia
se abrirá em será que bichos?
encontro no fundo da mochila
(buscava uma cueca)
o diário de viagem
perdido
rabisco umas palavras
mal me animo
o banho de rio faz a gente entender
tudo sem saber de nada
mas é preciso sair do rio
voltar pra são paulo
/ voltar / de ônibus / avião /
fim das estradas
então escrevo pra uma amiga
há muito não vista
e dizem que anda fazendo cadernos
digo assim pra ela "oi"
e as saudades não deixam a gente se encontrar
mas uma boa desculpa é a encomenda
preciso de um novo diário
domingo, 30 de setembro de 2012
menor
cálculos
matemáticos
também não são
o meu forte
na escola
errava até de
calculadora
as palavras
descubro
merecem,
pra quem as merece,
um exato cálculo
e o poema é uma
equação
não estas lamúrias
não esta preguiça
não este “ora vamos
todos morrer mesmo”
fico triste
de não dizer
grandes discursos de
comoção
para o meu tempo
mas me satisfaço
na rasteira
que a qualidade me dá
e que eu dou nela
isso tudo pode ser medo
de durar
eu que não duro
nem mais nem menos que
o impróprio
embriagar-me
já tampouco me
embriago
pela enxaqueca e pela
quimioprofilaxia
que ataca o fígado
sóbrio
por motivo de doença
esqueci como é que é
olhar pras coisas
deve estar escrito
nas estrelas que são
o livro da vida e deus
sim é que é escritor
que o meu papel neste
mundo seja este
branco e rasurado
planando aberto no
vácuo
em que viajam
competentes
o sol e os planetas
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
tradição, família, propriedade
já que
eu nunca
servi
pra essas modas
de macho
bombacha e pernas
abertas sobre
um cavalo
chegar e exigir
massagem nos pés
costure minhas meias
mulher
nasce
meu lado bruto
ordenha as vacas
espanta as galinhas
espera em casa
raspando do tacho
um novo filho
quem dera
eu nunca servi
pra essas modas de fêmea
também
minha bisavó
parindo no meio do mato
sob as parreiras
meu bisavô
dizendo que pra filho
não se mostram dentes
tanta rudeza veio dar
nesta flor de delicadeza que eu sou
acredita-se
me vissem
a carne mole, o olho fraco
me expulsariam da casa
meus antepassados
talvez vagando
de noite além da fazenda
eu achasse a clareira onde moram
meus outros parentes renegados
com certeza estão lá,
vadios, vadias, bichas, sapatões
vivendo uma outra rudez
colhendo um outro delicado
eu nunca
servi
pra essas modas
de macho
bombacha e pernas
abertas sobre
um cavalo
chegar e exigir
massagem nos pés
costure minhas meias
mulher
nasce
meu lado bruto
ordenha as vacas
espanta as galinhas
espera em casa
raspando do tacho
um novo filho
quem dera
eu nunca servi
pra essas modas de fêmea
também
minha bisavó
parindo no meio do mato
sob as parreiras
meu bisavô
dizendo que pra filho
não se mostram dentes
tanta rudeza veio dar
nesta flor de delicadeza que eu sou
acredita-se
me vissem
a carne mole, o olho fraco
me expulsariam da casa
meus antepassados
talvez vagando
de noite além da fazenda
eu achasse a clareira onde moram
meus outros parentes renegados
com certeza estão lá,
vadios, vadias, bichas, sapatões
vivendo uma outra rudez
colhendo um outro delicado
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
olá
ganhei de presente dos meus amigos uma lagartinha verde, sobre um pedaço de folha de alface agora quase murcha, dentro de um copo de vidro transparente.
observo a lagartinha por muito tempo. ela quase não se mexe, parece. ela não se mexe. mas se mexe, sim. é que ela come o tempo inteiro. e só sai do lugar para poder comer mais, em outro canto da folha que pra ela é enorme.
acho que botou um monte de ovos pretos pequenininhos. ou talvez seja o seu cocô.
andrea disse pra eu chamá-la de gertrudes. gosto do nome. mas tenho birra de gertrude stein, um pouco, e não quero ficar me lembrando dela o tempo inteiro.
poderia agora fazer uma comparação entre o método da lagarta e o de gertrude stein, mas tenho birra disso também. fico olhando a lagartinha e ela é tão sem vanguarda, tão sem humanidade, mas tão parecida com a gente. resolvi que ela é minha amiga.
obviamente ela não é. a lagarta vive um mundo sem amizade? acho que sim. mas mesmo esse é um dizer impreciso. pra chegar mais perto do mundo da lagarta, eu tenho que ir cortando as palavras.
a lagarta vive um mundo sem?
a lagarta vive um mundo?
a lagarta vive?
a lagarta?
tenho medo que ela morra. será que ela come folha mesmo murcha? vou viajar por vários dias e terei de pedir a alguém que cuide dela por mim.
mas um dia a lagarta vai morrer. provavelmente antes de mim. porque esses bichinhos vivem menos tempo que a gente. (será por causa do tamanho?)
aí tenho que me perguntar outra vez: a lagarta morre? a lagarta tem tempo?
a lagarta?
vou perguntando, e perguntando as perguntas, e assim chego numa partícula de impossível resposta. como saber as células da lagarta? se a lagarta sabe as suas células? e, se ela não souber, as células existem? me dê uma mesa de bar e a eternidade, que eu fico perguntando sem parar.
no entanto, a lagarta é um fato. ela pode até ter suas interrogações, mas isso é impossível eu saber. entre eu e a lagarta, há uma distância de dois palmos preenchida com perguntas mudas e invisíveis e respostas falsas que não serão respondidas. e, no entanto, a lagarta é um fato.
o que tenho é o meu olhar, que distingue uma lagarta verde-viva no verde moribundo da alface. tenho o sentimento e a consciência de me saber maior e mais duradouro que a lagarta, e responsável por esta que está no vidro, e a ideia melancólica, herdada, de que ela é mais feliz do que eu. e tenho a língua portuguesa, que por uma cadeia ancestral trouxe à minha boca e às minhas mãos a palavra que eu digo e escrevo e com a qual enxergo o verde dentro do verde: lagarta.
não lhe darei nenhum nome.
observo a lagartinha por muito tempo. ela quase não se mexe, parece. ela não se mexe. mas se mexe, sim. é que ela come o tempo inteiro. e só sai do lugar para poder comer mais, em outro canto da folha que pra ela é enorme.
acho que botou um monte de ovos pretos pequenininhos. ou talvez seja o seu cocô.
andrea disse pra eu chamá-la de gertrudes. gosto do nome. mas tenho birra de gertrude stein, um pouco, e não quero ficar me lembrando dela o tempo inteiro.
poderia agora fazer uma comparação entre o método da lagarta e o de gertrude stein, mas tenho birra disso também. fico olhando a lagartinha e ela é tão sem vanguarda, tão sem humanidade, mas tão parecida com a gente. resolvi que ela é minha amiga.
obviamente ela não é. a lagarta vive um mundo sem amizade? acho que sim. mas mesmo esse é um dizer impreciso. pra chegar mais perto do mundo da lagarta, eu tenho que ir cortando as palavras.
a lagarta vive um mundo sem?
a lagarta vive um mundo?
a lagarta vive?
a lagarta?
tenho medo que ela morra. será que ela come folha mesmo murcha? vou viajar por vários dias e terei de pedir a alguém que cuide dela por mim.
mas um dia a lagarta vai morrer. provavelmente antes de mim. porque esses bichinhos vivem menos tempo que a gente. (será por causa do tamanho?)
aí tenho que me perguntar outra vez: a lagarta morre? a lagarta tem tempo?
a lagarta?
vou perguntando, e perguntando as perguntas, e assim chego numa partícula de impossível resposta. como saber as células da lagarta? se a lagarta sabe as suas células? e, se ela não souber, as células existem? me dê uma mesa de bar e a eternidade, que eu fico perguntando sem parar.
no entanto, a lagarta é um fato. ela pode até ter suas interrogações, mas isso é impossível eu saber. entre eu e a lagarta, há uma distância de dois palmos preenchida com perguntas mudas e invisíveis e respostas falsas que não serão respondidas. e, no entanto, a lagarta é um fato.
o que tenho é o meu olhar, que distingue uma lagarta verde-viva no verde moribundo da alface. tenho o sentimento e a consciência de me saber maior e mais duradouro que a lagarta, e responsável por esta que está no vidro, e a ideia melancólica, herdada, de que ela é mais feliz do que eu. e tenho a língua portuguesa, que por uma cadeia ancestral trouxe à minha boca e às minhas mãos a palavra que eu digo e escrevo e com a qual enxergo o verde dentro do verde: lagarta.
não lhe darei nenhum nome.
sexta-feira, 21 de setembro de 2012
método
(...) não está de forma alguma dentro das nossas possibilidades fazer entrar a realidade no sonho, nem o dia na noite.
Não basta observar cavalos durante o dia para infalivelmente sonhar com eles à noite (...)
(Henri Michaux, falando aos poetas)
Não basta observar cavalos durante o dia para infalivelmente sonhar com eles à noite (...)
(Henri Michaux, falando aos poetas)
quinta-feira, 20 de setembro de 2012
exercício
diz que o corpo
são faz a mente sã
e que a minha depressão
tem uma barriga descuidada
exercitando-a, certamente
ela se torna esbelta e faz inveja
a todas as outras balofas depressões
terá um programa de ginástica na tevê
e um namorado rico e sorridente
caminhei quinze horas
sem sair do lugar
a minha depressão ficava vendo
na televisão da academia
um programa sobre os programas
preferidos de lazer
da depressão:
cinema, comida, shopping center.
quando cheguei em casa
com os músculos demarcados de histeria
fiquei ainda mais triste e não levantei da cama
por uma semana.
agora negociamos
quais serão os próximos passos
se encontramos um pé de alface
e o comemos ou pulamos dele
ou se esperamos que a alface nos encontre
meio decompostos depois de uma semana
mortos de toxoplasmose.
"muito trágico" a depressão me diz.
ela não adere às minhas ideias.
devo novamente calçar os tênis, calçar a vida
e mergulhar no dia sem colete salva-vidas.
mas meu corpo não espera que a cabeça se concentre
ele decide, sozinho, pequenos tendões, tipo uma casa
com cupim nas estruturas, mas habitada.
quando é hora de chamar a descupinizadora
já não há mais tempo: tenho que tomar
banho, me vestir, e sair para o trabalho
são faz a mente sã
e que a minha depressão
tem uma barriga descuidada
exercitando-a, certamente
ela se torna esbelta e faz inveja
a todas as outras balofas depressões
terá um programa de ginástica na tevê
e um namorado rico e sorridente
caminhei quinze horas
sem sair do lugar
a minha depressão ficava vendo
na televisão da academia
um programa sobre os programas
preferidos de lazer
da depressão:
cinema, comida, shopping center.
quando cheguei em casa
com os músculos demarcados de histeria
fiquei ainda mais triste e não levantei da cama
por uma semana.
agora negociamos
quais serão os próximos passos
se encontramos um pé de alface
e o comemos ou pulamos dele
ou se esperamos que a alface nos encontre
meio decompostos depois de uma semana
mortos de toxoplasmose.
"muito trágico" a depressão me diz.
ela não adere às minhas ideias.
devo novamente calçar os tênis, calçar a vida
e mergulhar no dia sem colete salva-vidas.
mas meu corpo não espera que a cabeça se concentre
ele decide, sozinho, pequenos tendões, tipo uma casa
com cupim nas estruturas, mas habitada.
quando é hora de chamar a descupinizadora
já não há mais tempo: tenho que tomar
banho, me vestir, e sair para o trabalho
quarta-feira, 19 de setembro de 2012
procuro eu lírico no dicionário, não consta, e ele me dá as entradas que mais se assemelham
empírico
eufórico
bulímico
butírico
enclítico
neolítico
oolíitico
eufórico
bulímico
butírico
enclítico
neolítico
oolíitico
Mais porcaria
Bem menos imoral é o pernil que eu tempero pro almoço. Tento entender de onde veio esse pedaço, do porco. Pernil, fica na perna, coxa. Limão, alecrim, pimenta-do-reino. Quem dá vida a um porco? Uma porca. Aos nossos olhos, são todos iguais. Que nem japoneses, chineses, tudo a mesma coisa. Deixo o pedaço de corpo marinando e entro no site de homens que querem sexo. Digito: japa. Começo a conversar com um. Tem 33 anos, mora com os pais, mas tem carro. Quando chega, é tímido e apressado. Eu pergunto se posso espremer limão no pinto dele. Se assusta, mas não tem muitos senões. Salpico também um pouco de noz-moscada e sal. Tempero bem o moço. Mas esta não é uma história policial. Nos lambemos, chafurdamos, cheiros, festa do gozo do corpo, depois arfados de cansaço, lambuzo, nos vestimos. Pergunto, já que estamos, se ele não quer ficar pra almoçar. "Vou fazer porco", convido. Não, obrigado, sou vegetariano. O que sobrou, guardei na geladeira.
Porcaria
Agora eu não sei o que faço com ele.
Uma faixa vermelha pinga da testa. Pá, serrote, noticiário, já vi tudo. Ela encara o corpo gordo do marido morto. "Muito, muito mais gordo". Devia ter brigado ainda mais com ele: pra que emagrecesse, e então ela o carregaria que nem saco de pão para o resto da vida. "Comer?". A ideia lhe deu nojo. Se você mata alguém e isso não estava previsto, quero dizer, se você não planejou muito bem antes, vamos admitir que é uma estupidez, embora seja impulso, não deu pra controlar, embora o controle também seja estúpido, mais esta, a vida não tem receita para nada. Também não o assassinato. Uma faca escorrega, o bolo não cresce, a massa desanda. Então é pensar - pense, pense - refazer tudo daqui pra frente e tentar - tente! - não cair nas garras da polícia.
Foi aí que ela se lembrou dos porcos.
"Porco come até osso", foi o marido quem disse. Ele gostava de colecionar histórias de crime. Se soubesse como morreu, ficaria muito animado. Mas não saberia, mesmo que vivesse. Olha os porcos! Ela gasta uma caixa inteira de lenços umedecidos pra limpar embaixo das unhas, as solas dos sapatos, o suor dos suvacos, o sangue coagulado. E fica olhando a vara, a pocilga, o persigal, festim, os guinchos se refestelando. Não sei se ela sente remorso, tristeza, vingança. Se está feliz? Os porcos estão? Só acontece o que acontece. Tipo essa náusea que ela agora sente, e entra no carro antes que vomite, vai embora. O cheiro, imagine. Ela já nem teria como se limpar.
Uma faixa vermelha pinga da testa. Pá, serrote, noticiário, já vi tudo. Ela encara o corpo gordo do marido morto. "Muito, muito mais gordo". Devia ter brigado ainda mais com ele: pra que emagrecesse, e então ela o carregaria que nem saco de pão para o resto da vida. "Comer?". A ideia lhe deu nojo. Se você mata alguém e isso não estava previsto, quero dizer, se você não planejou muito bem antes, vamos admitir que é uma estupidez, embora seja impulso, não deu pra controlar, embora o controle também seja estúpido, mais esta, a vida não tem receita para nada. Também não o assassinato. Uma faca escorrega, o bolo não cresce, a massa desanda. Então é pensar - pense, pense - refazer tudo daqui pra frente e tentar - tente! - não cair nas garras da polícia.
Foi aí que ela se lembrou dos porcos.
"Porco come até osso", foi o marido quem disse. Ele gostava de colecionar histórias de crime. Se soubesse como morreu, ficaria muito animado. Mas não saberia, mesmo que vivesse. Olha os porcos! Ela gasta uma caixa inteira de lenços umedecidos pra limpar embaixo das unhas, as solas dos sapatos, o suor dos suvacos, o sangue coagulado. E fica olhando a vara, a pocilga, o persigal, festim, os guinchos se refestelando. Não sei se ela sente remorso, tristeza, vingança. Se está feliz? Os porcos estão? Só acontece o que acontece. Tipo essa náusea que ela agora sente, e entra no carro antes que vomite, vai embora. O cheiro, imagine. Ela já nem teria como se limpar.
só verá as asas
"Se você realmente quiser ver as asas de uma borboleta, primeiro você tem que matá-la e logo colocá-la em uma vitrina. Uma vez morta, e só então, você pode contemplá-la tranquilamente. Mas, se você quer conservar a vida, que afinal é o mais interessante, só verá as asas fugazmente, em muito pouco tempo, um abrir e fechar de olhos."
(Didi-Huberman)
(Didi-Huberman)
terça-feira, 18 de setembro de 2012
uma casa inteira
João e Maria na floresta
vão deixando blogues no caminho
blog-blog-blog
os seguirão os passarinhos
Quando chegam no coreto
todos cantam Roberto Carlos
os passarinhos aplaudem
vamos fazer do coreto uma choupana
Peguem, peguem
folhas de banana
adobe azulejo chicletes
agora blogo aqui
http://umacasainteira.blogspot.com.br/
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vão deixando blogues no caminho
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os seguirão os passarinhos
Quando chegam no coreto
todos cantam Roberto Carlos
os passarinhos aplaudem
vamos fazer do coreto uma choupana
Peguem, peguem
folhas de banana
adobe azulejo chicletes
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segunda-feira, 17 de setembro de 2012
perigo: libriano
na vanguarda do zodíaco
e dos novos ciclos que nos cercam
farei meu nome a máscara
de guy fawkes
numa tradição sem freud
corre-se o risco
de uma tal identificação com o não self
que não haverá mais self to die
num jogo urgente de bibliomancia
o i-ching me deu o hexagrama 18
dizendo que o trabalho sobre o deteriorado
trará grande satisfação, e que será bom
"atravessar a grande água"
jesus era jonas
e pedro não tinha fé
meu nome é um peixe
que me cuspa
era uma vez
era uma vez
a vez
que a tudo dizia
"agora sou eu!"
mas ninguém lhe dava bola.
Quando todo mundo se distraía
lavando as roupas e fazendo comida
ou quando todo mundo se deitava na grama do parque
pra tomar o sol gostoso da tarde
se fosse outubro
aí a vez aproveitava
e acontecia.
Como estavam todos ocupados distraindo-se
ninguém via o que acontecia, exatamente.
Mas a vez se dava por satisfeita.
Um dia o cachorro, que estava se lambendo, teve um pressentimento!
Ele foi até a pia da cozinha, pulou em cima dela e ficou esperando.
Quando nós chegamos, todo mundo riu. Menos o cachorro, que nem abanou o rabo.
Ficou em cima da pia, esperando que alguém o tirasse de lá.
Aquele foi um dia muito MUITO ensolarado, e a vez nem deu as caras.
Devia de estar aprontando uma das suas.
Esses dias eu recebi um cartão-postal.
Dizia assim:
Aqui está muito legal. Sinto saudades, mas não sei se volto. Se cuida! Beijos!
Ass.: a vez.
O cartão vinha lá de Maceió.
Como eu nunca fui pra Maceió, resolvi cozinhar o almoço. Era a hora.
Foi aí que eu conheci essa outra amiga: a hora.
De hora em hora, ela diz assim:
"Agora sou eu!"
Mas agora, por exemplo, eu preciso trabalhar.
Então não posso te dar atenção, desculpa.
a vez
que a tudo dizia
"agora sou eu!"
mas ninguém lhe dava bola.
Quando todo mundo se distraía
lavando as roupas e fazendo comida
ou quando todo mundo se deitava na grama do parque
pra tomar o sol gostoso da tarde
se fosse outubro
aí a vez aproveitava
e acontecia.
Como estavam todos ocupados distraindo-se
ninguém via o que acontecia, exatamente.
Mas a vez se dava por satisfeita.
Um dia o cachorro, que estava se lambendo, teve um pressentimento!
Ele foi até a pia da cozinha, pulou em cima dela e ficou esperando.
Quando nós chegamos, todo mundo riu. Menos o cachorro, que nem abanou o rabo.
Ficou em cima da pia, esperando que alguém o tirasse de lá.
Aquele foi um dia muito MUITO ensolarado, e a vez nem deu as caras.
Devia de estar aprontando uma das suas.
Esses dias eu recebi um cartão-postal.
Dizia assim:
Aqui está muito legal. Sinto saudades, mas não sei se volto. Se cuida! Beijos!
Ass.: a vez.
O cartão vinha lá de Maceió.
Como eu nunca fui pra Maceió, resolvi cozinhar o almoço. Era a hora.
Foi aí que eu conheci essa outra amiga: a hora.
De hora em hora, ela diz assim:
"Agora sou eu!"
Mas agora, por exemplo, eu preciso trabalhar.
Então não posso te dar atenção, desculpa.
sábado, 15 de setembro de 2012
bagagem
acho que lançar-se
sem seguros direi ao meu filho
não é uma escolha
prudente
levei
comigo apenas
aquilo que ainda não
tinha
livre
na queda
é só um momento
no gesto
ele responde
não é a viagem
que morre
com a gente
sem seguros direi ao meu filho
não é uma escolha
prudente
levei
comigo apenas
aquilo que ainda não
tinha
livre
na queda
é só um momento
no gesto
ele responde
não é a viagem
que morre
com a gente
a mordida
deram-lhe uns dentes
ao mundo e solto
passou a morder tudo
a boca
antes aberta e banguela
à espera
agora buscava
coisas mais duras
maiores que ela
roía histórias
de amor desencontrado
dessas que empoeiram
na órbita da gente
roía as canetas
com que se escrevem cartas
ao futuro no meio
do século passado
os dentes
enquanto não gastos
e firmes transformam
o sólido
em massa com sabor
de saliva
e o mundo
predador tanto comeu
que tornava-se presa
às vezes
de uma disenteria
*
o que
você morde
te faz
mais forte
se você
morde uma pedra
seu dente
já era
nossa carne tão mole
parece dizer morda-me
nossos ossos tão duros
não cedem a qualquer fome
ao mundo e solto
passou a morder tudo
a boca
antes aberta e banguela
à espera
agora buscava
coisas mais duras
maiores que ela
roía histórias
de amor desencontrado
dessas que empoeiram
na órbita da gente
roía as canetas
com que se escrevem cartas
ao futuro no meio
do século passado
os dentes
enquanto não gastos
e firmes transformam
o sólido
em massa com sabor
de saliva
e o mundo
predador tanto comeu
que tornava-se presa
às vezes
de uma disenteria
*
o que
você morde
te faz
mais forte
se você
morde uma pedra
seu dente
já era
nossa carne tão mole
parece dizer morda-me
nossos ossos tão duros
não cedem a qualquer fome
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
a maya me deu um desenho
lindo uma recortagem
em que os mapas do brasil e da argentina
se sobrepunham
eu pus na mochila e trouxe pra casa
como na época eu não tinha casa
hoje fui procurar o desenho e não o acho
não sei nem pôr em palavras a tristeza
que isso me causa
é fácil dizer que é bem simbólico
de eu ter que sair da argentina às pressas
e voltar pra cidade de são paulo
tendo a maya me dado o presente no rio
quando eu estava com meu namorado à época
e não planejava viver tanto
quanto estou vivo agora, depois de meu namorado
carioca ter me dado um pé na bunda
por eu ter contraído o hiv e garoava
fazia aquele calor de sempre
eu tinha uma febre insuspeita e por isso nem tomei cerveja
era a primeira vez que eu via a maya
depois de dois ou três anos de correspondência
e gostei muito dela
mas a vida é assim mesmo
chuva é o nome que se dá
a tanto pingo caindo ao acaso
que molha todo o chão e vira uma enxurrada
se não houver escoamento
só que eu preferia pelo menos
não ter perdido o presente
lindo uma recortagem
em que os mapas do brasil e da argentina
se sobrepunham
eu pus na mochila e trouxe pra casa
como na época eu não tinha casa
hoje fui procurar o desenho e não o acho
não sei nem pôr em palavras a tristeza
que isso me causa
é fácil dizer que é bem simbólico
de eu ter que sair da argentina às pressas
e voltar pra cidade de são paulo
tendo a maya me dado o presente no rio
quando eu estava com meu namorado à época
e não planejava viver tanto
quanto estou vivo agora, depois de meu namorado
carioca ter me dado um pé na bunda
por eu ter contraído o hiv e garoava
fazia aquele calor de sempre
eu tinha uma febre insuspeita e por isso nem tomei cerveja
era a primeira vez que eu via a maya
depois de dois ou três anos de correspondência
e gostei muito dela
mas a vida é assim mesmo
chuva é o nome que se dá
a tanto pingo caindo ao acaso
que molha todo o chão e vira uma enxurrada
se não houver escoamento
só que eu preferia pelo menos
não ter perdido o presente
diz que ortega y gasset diz que o que diferencia
o ser humano dos outros animais
é a capacidade de ser triste
já que a gente sabe nossa própria falha
e nossa incapacidade de ir além
minha cachorra deitava-se na porta
principalmente em dias de temperatura amena
e seu focinho secava, ficava morno
porque ninguém ia passear com ela
nós a amávamos tanto
mas não o bastante para sair com ela
da frente da televisão
ficávamos tristes e tontos vendo tv
e a cachorra triste e entediada sem nada pra fazer
isso já faz uns dez anos
mais tempo do que eu ouvi falar desse ortega y gasset
o ser humano dos outros animais
é a capacidade de ser triste
já que a gente sabe nossa própria falha
e nossa incapacidade de ir além
minha cachorra deitava-se na porta
principalmente em dias de temperatura amena
e seu focinho secava, ficava morno
porque ninguém ia passear com ela
nós a amávamos tanto
mas não o bastante para sair com ela
da frente da televisão
ficávamos tristes e tontos vendo tv
e a cachorra triste e entediada sem nada pra fazer
isso já faz uns dez anos
mais tempo do que eu ouvi falar desse ortega y gasset
domingo, 9 de setembro de 2012
o bruno diz que dorme
e tem insônia e nela um sonho
em que eu passo por cima dele
fisicamente e isso amaldiçoa
que a pessoa nunca mais
cresça
é uma superstição de criança
um dia eu fiz sobre meu primo paulinho
me deduraram e os adultos deram de ombros
as crianças ofendidas
pois eu fizera crime horrível
meu primo cresceu e entrou pro exército
ou virou empacotador de mercado
perdemos contato
o bruno veio dirigindo desde belo horizonte
no meio do caminho comprou queijos e doces
de leite pela estrada, fuxicos, artesãs
e também mudas de rosas lindas
numa cidade chamada perdões
e tem insônia e nela um sonho
em que eu passo por cima dele
fisicamente e isso amaldiçoa
que a pessoa nunca mais
cresça
é uma superstição de criança
um dia eu fiz sobre meu primo paulinho
me deduraram e os adultos deram de ombros
as crianças ofendidas
pois eu fizera crime horrível
meu primo cresceu e entrou pro exército
ou virou empacotador de mercado
perdemos contato
o bruno veio dirigindo desde belo horizonte
no meio do caminho comprou queijos e doces
de leite pela estrada, fuxicos, artesãs
e também mudas de rosas lindas
numa cidade chamada perdões
sábado, 8 de setembro de 2012
o desafio
agora
de escrever
é não escrever literatura
muito menos cartas que não merecem
pirei os mapas
com álcool e fósforo
em outras sociedades
talvez um mapa seja a folha
de uma árvore específica
passado de avós a netos
o conhecimento dos caminhos
quero viver o bastante
para tatuar todo o meu braço
ou pra perceber
que isso não será necessário
se tenho um lapso
entre a vontade e o piparote
o desafio agora
de escrever não será mais
a vontade o piparote
sempre foi
sempre será?
não sei o lapso
viver
um verbo vasto
meu medo
não morrer logo
meu medo
verbo perder
o tempo
colei com massa
inodora as fotos
na parede o mar
do chile quando
eu saí primeiro
deste país
e vi o pacífico
da praia feia
para provar
que o mar é água
em toda parte
meu medo então
fotos e histórias
uma estrada
quase me matam
caminhões
se tenho um lapso
o desafio agora
escrever sempre
é outra estrada
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